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Dependência institucional: quando a alavanca se torna âncora

Publicado originalmente no site da Sociedade de Psicodrama de São Paulo (SOPSP) - 2013/2015. Daniel Gulassa.

Era uma vez um sujeito que sofria dificuldades – de ajuste social, de auto-administração para o dia-a-dia, etc. Sua família não sabia o que fazer, já havia tentado várias alternativas que não deram certo. Cada membro da família já tinha seus próprios problemas particulares. Estava cada vez mais difícil administrar este familiar, sr. Fulano, que mal dava conta de si e se isolava cada vez mais.

 

Foi então que alguém indicou uma instituição especializada para ajudá-lo, muito bem recomendada. O Sr. Fulano iniciou um tratamento intensivo ali e melhorou muito. Os familiares se tornaram imensamente gratos. Sr. Fulano também se sentiu muito bem com sua nova rotina, com colegas, amigos, enfim, uma nova vida social. Final feliz?

Talvez. Mas este não costuma ser o final da história. A “felicidade” talvez dure apenas enquanto nenhum abalo desequilibrar a estabilidade do sistema configurado. O sr. Fulano pode passar dias, semanas, meses ou anos frequentando a instituição. Sua permanência ali pode representar um auxílio para sua inclusão social em termos amplos, ou meramente uma adaptação social à instituição. Caso sua alta da instituição gere uma crise que envolva a suposta ameaça das conquistas adquiridas, pode significar que ocorreu a segunda opção ao sr. Fulano e configurou-se ali uma dependência institucional. 

 

A seguir, alguns indícios que podem, ocorrendo em conjunto, evidenciar circunstâncias institucionais produtoras de dependência institucional – fenômeno ao qual todos os envolvidos (familiares, técnicos, comunidade e sr. Fulano) são corresponsáveis. Identificá-las precocemente facilita um reajuste para que a alta da instituição adquira sua função saudável de culminância de um processo natural e gradual de inclusão social.

 

Imagine que, do ponto de vista do sr. Fulano, seu benefício tenha sido tão grande que para ele a instituição se torne seu principal investimento em saúde e sua principal (quiçá única) atividade social. Sua permanência ali se torna sua maior segurança e garantia de bem estar. Imagine ainda este presenciando colegas frequentadores recebendo alta e piorando logo em seguida, até o ponto de ser necessária uma reinstitucionalização (fenômeno conhecido como “síndrome da porta giratória”). 

 

Imagine agora, uma equipe técnica que, apesar de competente, não costuma trocar informações e interagir profissionalmente de forma sistemática, abrangente e profunda. Imagine que ali o conceito de “alta” institucional raramente é discutido, nem segue critérios claros e objetivos, tampouco planejamentos ou prazos. Agregue a isso certo desgaste entre os técnicos, fruto de convivência intensa diária. Ainda, uma família não participativa e que não se prepara para um futuro sem a instituição – pelo contrário, se melindra com tal possibilidade.

 

Como consequência o sr. Fulano pode querer ficar o máximo de tempo institucionalizado (desejo compartilhado por outros), ao acreditar ser esta a melhor – ou única – opção que tem. Pode entender a alta como sinônimo de punição; pode condicioná-la à retomada de condições em que esteve num passado idealizado, ou pior, associada a uma idéia de “cura” (com remoção total de sintomas, que no caso de um transtorno psiquiátrico grave, por exemplo, pode não acontecer).

 

Para que a história do sr. Fulano possa ter uma continuidade feliz, consideremos algumas precauções: investir numa instituição integrada à comunidade, que compartilha com o próprio sr. Fulano e seus familiares da responsabilidade por uma vida social descentralizada e a coautoria de um projeto de alta realista; disponibilizar eventual serviço de acompanhamento terapêutico para sr. Fulano; realizar sistematicamente um grupo tematizado de desligamento institucional e um grupo para familiares. 

 

Finalmente, nos bastidores da organização de saúde que trata do sr. Fulano, é de extrema importância a realização de encontros regulares focados nas questões relacionadas ao cuidado emocional dos profissionais envolvidos, no sentido de acolher, garantir livre expressão, manejar diferenças e alinhamentos etc. – coordenado por alguém desvinculado da dinâmica institucional diária. Este tipo de trabalho – por exemplo, um sociodrama institucional – que deveria ser tratado como “essencial”, é erroneamente considerado “luxo”. Pode ser um momento espontâneo-criativo focado no manejo de desafios. Sua realização demonstra um cuidado com a saúde do trabalhador e da instituição e possibilita a identificação de problemas como o aqui abordado ou outros. Enfim, pode ser a diferença entre uma instituição que gera saúde e uma que produz doença e doentes.          

        

QUER SABER MAIS? PROCURE: GULASSA, D. C. R. “Tire-me desta, mas daqui não me deixe sair!” Hospitalismo: reflexões sobre o drama da (co)dependência em instituição psiquiátrica. Revista Brasileira de Psicodrama, Vol. 19, No. 2, 57-71, 2011.

 

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danielgulassa@hotmail.com - tel. (11) 34425752 - R. Monte Alegre, 428, cj.76 - SP - capital. Copyright © 2012/2018 Daniel Gulassa. Reprodução com citação da fonte.

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